Explorando conexões entre partidos políticos e corretores de dados pessoais no Reino Unido

Por Amber Macintyre

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Resumindo:

Confira as experiências de uma investigação sobre o uso de dados pessoais de eleitores em campanhas políticas através de um estudo de caso da Tactical Tech. Este estudo de caso concentra-se em técnicas usadas para entender como partidos políticos gastaram dinheiro em dados sobre eleitores e em tecnologia de marketing online no Reino Unido, nas eleições gerais de 2015 e 2017 e no referendo de 2016 sobre o Brexit.


Por favor, note que a maioria dos hiperlinks apontam para sites e recursos em inglês.

As campanhas políticas dependem cada vez mais de nossos dados pessoais, incluindo informações de contato, preferências políticas, interesses e comportamentos: nossas rotinas diárias e de viagem, compras e hábitos de navegação online. Esses dados são usados por criadores de campanhas políticas para otimizar suas comunicações públicas e seus esforços de mobilização para influenciar nossas atitudes em relação a questões e candidatos e, em última análise, influenciar como nós votamos. Eles usam os dados para traçar os perfis de pessoas, incluindo opiniões, personalidades e preferências; e para encontrar as mensagens táticas mais envolventes para cada eleitor por meio de testagens de diferentes estilos de linguagem e canais de comunicação, da TV às redes sociais, às visitas porta-a-porta.

A coleta dessas informações é realizada tanto pelos chamados corretores de dados e consultores de campanha digital – pessoas e agências equipadas com tecnologia e habilidades para reunir os perfis, preferências, e frustrações das pessoas, e processar essas informações para ganhos comerciais. Embora não seja uma atividade ilegal (a menos que os dados sejam obtidos de forma fraudulenta), esta prática é controversa e tem levantado várias preocupações, inclusive sobre violações de leis sobre eleições, privacidade, mensagens manipuladoras, exclusão ou discriminação de grupos sociais através de [segmentação seletiva de mensagens](#term-target e o perfilamento antiético de indivíduos. No entanto, devido à falta de transparência sobre o que esses atores fazem, como fazem, que software usam e como tudo funciona, é difícil para os eleitores decidir ou controlar quantos dados pessoais eles compartilhariam, se tivessem escolha.

Este estudo de caso é baseado em um tema do Reino Unido e mostra como nossa equipe da Tactical Tech investigou questões relacionadas ao uso de dados pessoais de cidadãos em campanhas políticas recentes no Reino Unido. Especificamente, da uma ideia de como definimos nosso objetivo e fizemos as perguntas iniciais, onde e como procuramos fontes de informação e evidência, e quais recursos, ferramentas e técnicas usamos para dar sentido às informações que coletamos.

Focado em métodos, este estudo de caso cobre uma pequena fração de toda a pesquisa que fizemos como parte de um projeto de longo prazo sobre Dados e Política. Ele ilustra algumas das muitas etapas que empreendemos para explorar como a influência política funciona em ambientes saturados de dados, onde as informações mais íntimas das pessoas agora são usadas por corretores de dados como um ativo na corrida pelo sucesso em campanhas políticas.


Observação:

A pesquisa que descrevemos abaixo faz parte de A Indústria da Influência, um projeto desenvolvido pela Tactical Tech para investigar o uso de dados em marketing político e campanhas ao redor do mundo, em países como Brasil, Quênia, Índia, México, EUA, Canadá e muitos outros.

![](https://cdn.ttc.io/i/fit/800/0/sm/0/plain/kit.exposingtheinvisible.org/elections-influence-industry-ttc.png «Captura de tela do projeto A Indústria da Influência» mostrando o título The Influence Industry: The Global Business of Using Your Data in Elections (A Indústria de Influência: O Negócio Global de Uso de Seus Dados em Eleições)»)

Captura de tela do projeto «A Indústria da Influência» da Tactical Tech.

A investigação no Reino Unido é detalhada em um artigo chamado “Data and Democracy in United Kingdom”, e o relatório completo da pesquisa está disponível em .pdf aqui.

O objetivo de nossa investigação era descobrir que tipo de dados estavam sendo coletados e usados por partidos políticos, grupos de interesse e candidatos envolvidos nas eleições gerais de 2015 e 2017 no Reino Unido e no referendo de 2016 sobre o ‘Brexit’. Queríamos examinar se os políticos e partidos utilizaram corretores de dados para comprar dados e perfis de eleitores, como eles pagaram por serviços e anúncios em plataformas como o Facebook, se contrataram especialistas em comunicação digital para usar – ou os instruíram sobre como usar – dados para desenvolver conteúdo personalizado e direcionado para suas campanhas políticas.

Como coletamos os dados

Como em qualquer outra pesquisa, começamos a buscar o que já existia sobre o tema. Isso geralmente exige bastante leitura, conversar com pessoas experientes no assunto e até mesmo procurar aconselhamento especializado, assim como coletar informações sobre pessoas e organizações que estávamos investigando. Dada a natureza política da pesquisa, precisávamos estar atentos a quaisquer riscos potenciais envolvidos no acesso a informações e materiais confidenciais, ou ao abordar indivíduos públicos, empresas e partidos políticos.

Embora qualquer investigação envolva várias fontes de dados e técnicas, a lista a seguir descreve nosso processo de coleta e trabalho com material relevante ao longo deste projeto:

  1. Ler outras investigações e artigos existentes sobre o tema - para desenvolver uma noção do que já existe, quais casos foram descobertos e quais perguntas ainda não foram abordadas ou respondidas.

  2. Coleta e análise de dados reunidos por instituições do Reino Unido, especialmente órgãos de regulação de eleições e outras fontes disponíveis.

  3. Compreender as práticas do eleitor ou apoiador político, como a participação em eventos políticos, ou o uso de plataformas online de partidos políticos e aplicativos de campanha.

  4. Coleta e análise de materiais publicados pelos partidos e ativistas políticos - para entender detalhes sobre as práticas de campanha e estratégias de seleção de eleitores que adotam.

Trabalhamos com a premissa de que entrevistas ou outras formas de contato direto com partidos e empresas de campanha não seria possível na maioria dos casos. Assumimos isso não apenas porque as práticas de campanha e o uso dos dados dos eleitores são amplamente opacos e geralmente qualificados como segredos de campanha durante campanhas eleitorais ativas, mas também porque o tema já havia ganhado notoriedade com o escândalo da Cambridge Analytica, que surgiu durante nossa investigação.

Para esta pesquisa, analisamos as práticas de campanha nas eleições gerais de 2015 e de 2017 (eleições para os Deputados da Câmara dos Comuns do Reino Unido) e o referendo de 2016 sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), que levou às negociações do Brexit. Isso ajudou a revelar como as táticas de campanhas digitais, e os gastos, mudaram ao longo do tempo, e para entender como eles diferiram entre as eleições gerais e um referendo único de grande importância.

Vale ressaltar que o nível de acesso à informação pública que tivemos no Reino Unido não é o mesmo em todo o mundo, especialmente no que diz respeito às práticas partidárias, publicidade de campanha e gastos públicos de tais atividades. A Comissão Eleitoral do Reino Unido publica relatórios financeiros e faturas de gastos de campanha, bem como resultados de suas próprias investigações sobre questões eleitorais, entre outros recursos.

No entanto, nosso processo investigativo deve ser relevante para outros contextos também e, como investigador, você precisará adaptar constantemente suas ferramentas e técnicas para encontrar evidências em uma situação particular, ao mesmo tempo, certificando-se de que você está totalmente ciente de quaisquer riscos legais, éticos e de segurança.

Como analisamos os dados

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Outras investigações e artigos existentes

Não há necessidade de repetir o trabalho que já foi feito, e a mídia geralmente examina as atividades dos partidos políticos durante cada eleição, referendo ou plebiscito.

No nosso caso, para as eleições de 2015 no Reino Unido, existiam vários artigos sobre gastos políticos em plataformas online – como esta reportagem no Guardian. O interesse da mídia neste tópico cresceu na época do referendo de 2016 e quando a eleição de 2017 chegou, os principais meios de comunicação continaram a publicar artigos sobre o assunto, como estes no site da BBC e no The Guardian.

Um escrutínio maior da mídia sobre os gastos políticos foi acompanhado por várias investigações oficiais conduzidas pelo governo do Reino Unido. Uma dessas investigações ocorreu em uma série de audiências parlamentares entre 2017 e 2018 conduzidas pelo UK Department for Digital, Culture, Media e Sport (DCMS). As audiências analisaram o impacto das notícias falsas no process político. Entre outras constatações, as audiências demonstraram o quão difundidas e normalizadas se tornaram as práticas baseadas em dados em campanhas políticas no Reino Unido.

Ao coletar informações de fontes de mídia e outros relatórios, é crucial verificar a precisão dos dados e das conclusões, antes de usar qualquer uma dessas informações em sua investigação. Aqui estão algumas medidas que você pode tomar:

  • Verifique as fontes dos repórteres e pesquisadores. Às vezes, os veículos jornalísticos conduzem sua própria investigação; às vezes eles citam conteúdo de outro lugar. Verifique se isso é referenciado no artigo e, se possível, encontre a fonte original. Este esforço extra pode ajudar a colocar os fatos em seu contexto original e mostram como detalhes importantes são às vezes manipulados ou excluídos de uma notícia para outra.


Por exemplo, em maio de 2017, o The Guardian relatou, o seguinte (em tradução livre): ‘Foi com o AggregateIQ que o Vote Leave (a campanha oficial de saída da UE) decidiu gastar 3,9 milhões de libras, mais da metade dos 7 milhões oficiais orçamento da campanha”. Este valor depois foi repetido em várias outras fontes, incluindo Business Insider e Bloomberg. Esse valor, no entanto, não é consistente com os registros de gastos da Comissão Eleitoral que mostra um gasto total de £ 3,5 milhões de Vote Leave (£ 400.000 menos do que o artigo original do The Guardian alegou), incluindo todos os outros grupos de campanha. Saiba mais sobre isso em nosso relatório sobre campanhas no Reino Unido.

  • Cruze as informações de suas fontes para determinar o quão confiáveis elas são, e verificar dados e fatos. Certifique-se de que os mesmos números, declarações, conjuntos de dados ou afirmações são apoiados por mais de uma fonte (mídia, pessoa, instituição, etc.). Se possível, use várias fontes para corroborar a mesma evidência.

  • Finalmente, é importante levar em conta qualquer viés ou interesse político e ideológico que uma fonte de notícias possa ter. Um jornal pode ser explícito sobre suas preferências políticas, por exemplo, declarando seu endosso para um determinado candidato em uma eleição. Caso contrário pode ser útil pesquisar a história e propriedade do jornal por meio de registros disponíveis da empresa, fontes acadêmicas ou uma pesquisa online profunda. Em alguns casos, se você não estiver familiarizado com a região que está pesquisando, vale a pena conversar com uma fonte confiável que tenha conhecimento de como um jornal é percebido na região.

Dados dos reguladores do Reino Unido: gastos políticos no Reino Unido

Muitos países têm regras formais e monitoram atividades e gastos de campanhas. Esse monitoramento requer a coleta de dados que muitas vezes são disponibilizados ao público e podem ser muito úteis em uma investigação. Infelizmente, nem todos os países tornam os dados públicos, mas vale a pena verificar se há algum órgão de governo, ou de monitoramento, que publique informações relacionadas a eleições ou possam ser contatados diretamente para solicitar tais dados.

No Reino Unido, a Comissão Eleitoral (Electoral Commission) é encarregada por lei de estabelecer limites de gastos nas eleições e monitorar atividades de partidos políticos. Para documentar os seus gastos, cada grupo de campanha deve enviar faturas, que a Comissão Eleitoral verifica e publica, para escrutínio público.

Captura de tela do site da Comissão Eleitoral do Reino Unido Captura de tela do site da Comissão Eleitoral do Reino Unido: https://search.electoralcommission.org.uk/

O que se segue é uma visão geral de como usamos os dados da Comissão Eleitoral em nossa investigação.

As Faturas do Reino Unido

Obtenção e leitura dos dados

A primeira etapa da análise das faturas para esta investigação foi ver quais informações a Comissão obteve e baixar o conjunto de dados para análise posterior. Fizemos isso indo ao banco de dados de gastos eleitorais da Comissão Eleitoral, que pode ser encontrado aqui: https://search.electoralcommission.org.uk/.

Este banco de dados fornece uma ampla variedade de informações financeiras sobre todos os indivíduos e grupos oficiais de campanha em todas as eleições e referendos desde 2001.

Uma vez que a Comissão Eleitoral torna uma grande quantidade de dados acessíveis, pode ser necessário primeiro restringir o escopo da pesquisa selecionando critérios relevantes. O banco de dados da Comissão permite que os usuários restrinjam suas consultas selecionando os vários tipos de atores políticos: partidos, ativistas, participantes do referendo e donatários regulamentados (indivíduos membros de partidos políticos, titulares de cargos eleitos e associações). Na mesma seção, há opções para escolher o tipo de informações financeiras: doações, empréstimos, gastos, detalhes de cadastros e contas relacionadas a todos esses indivíduos e grupos.

Captura de tela com página do site da Comissão Eleitoral do Reino Unido com opções de critério de busca, em inglês: partido político, partido menor e outrasMostrando os critérios selecionados na Comissão Eleitoral base de dados. Captura de tela de https://search.electoralcommission.org.uk/

Aqui, optamos por buscar os gastos de todos os grupos incluídos na lista. Podemos então refinar ainda mais nossa busca, de acordo com o tipo da eleição, o evento específico e se deve incluir gastos incorridos fora da Seção 75 (um regulamento que limita quanto pode ser gasto com base no número de eleitores). Como queríamos saber todos os gastos, não apenas aqueles dentro de certos limites, deixamos marcado, como pode ser visto na imagem abaixo. Embora buscássemos as mesmas informações de gastos para eleições gerais e o referendo da UE, queríamos manter os dados de cada evento separados para facilitar a comparação. Fizemos a busca três vezes para cada evento e terminou com três coletas de dados.

Captura de tela com página do site da Comissão Eleitoral do Reino Unido com opções filtro, em inglês: eleição geral do parlamento britânico, referendo, e outrasMostrando os filtros selecionados na Comissão Eleitoral base de dados. Captura de tela de https://search.electoralcommission.org.uk/

Neste ponto, o banco de dados é mostrado no site e a partir daqui é relativamente fácil procurar examinar gastos individuais. Não é possível, no entanto, classificar estas informações ou analisá-las de forma significativa. Na parte inferior do página, os dados podem ser exportados para um arquivo .csv, um formato de arquivo que facilita a troca de conjuntos de dados de diferentes aplicativos. O arquivo .csv que obtivemos é um tipo de planilha que pode ser lida no Excel, LibreOffice Calc, OpenOffice, OnlyOffice ou Planilhas Google.

Depois de abrir o arquivo .csv no programa gratuito e de código aberto LibreOffice Calc, poderíamos usar as funções “classificar” e “filtrar” do editor de planilhas. Em primeiro lugar, poderíamos filtrar por diferentes nomes de empresas, como Facebook ou Google. Então poderíamos classificar a coluna ‘quantia’ pelo maior ou pelo menor valor financeiro. A tabela abaixo mostra os tipos de categorias fornecidas na planilha, pelas quais as informações podem ser classificadas e filtradas:

Categorias de gastos Descrição
Número de referência Número identificador de cada fatura emitida pela Comissão Eleitoral
Nome do período do relatório A eleição ou referendo em que a fatura foi apresentada
Tipo de entidade regulamentada Partido político ou organização de terceiros
Despesa Total O valor total da fatura (para 2015, entre £0,12 e £528.670,21
Data da ocorrência Data da fatura
Nome da categoria de despesas As categorias de despesas da Comissão Eleitoral incluem: despesas gerais e administração geral, transporte, pesquisa de mercado / entrevista nas ruas, material não-solicitado enviado aos eleitores, publicidade, campanha por rádio e TV, comícios e outros eventos, material de manifesto ou de referendo
Nome do Fornecedor O nome da empresa ou fornecedor individual
Endereço do fornecedor O endereço comercial do fornecedor
Valor por região Dividido por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte
Fatura Anexo com imagem da fatura

Usando tabelas dinâmicas (tabelas que resumem e agrupam dados de outras tabelas, também chamadas de tabelas pivot) para acessar dados do conjunto de dados maior, poderíamos então adicionar custos para certas categorias e partidos. Esta é uma maneira rápida e útil de determinar quanto um partido ou organização gastou em publicidade ou pesquisa de mercado, por exemplo, ou quanto dinheiro foi pago para diferentes empresas como Facebook ou Google (veja as imagens abaixo).

Exemplo de tabela dinâmicaUsando uma tabela dinâmica para mapear os gastos dos partidos políticos por categoria, como em publicidade ou pesquisa de mercado

Exemplo de tabela dinâmicaUsando uma tabela dinâmica para listar os gastos dos partidos políticos por fornecedor, destacando gastos no Facebook e Google

Analisando os dados

Embora os conjuntos de dados da Comissão Eleitoral sejam muito úteis para fornecer uma história geral dos gastos de campanha, tivemos que fazer vários ajustes para refinar os dados de uma forma que fosse mais útil para o foco de nossa investigação. Para contabilizar os gastos que foram especificamente para campanhas digitais ou dados, tivemos que criar nossa própria categoria: «empresas que receberam dinheiro de partidos políticos para trabalhar com dados pessoais.»

Embora a criação de uma categoria personalizada envolvesse mais pesquisa, a base de dados da Comissão Eleitoral ainda era capaz de fornecer informações úteis para refinar os dados da planilha de acordo com nossas necessidades. Ao examinar as faturas que devem ser apresentadas à Comissão Eleitoral, e servem como base nos dados da planilha, conseguimos determinar com mais precisão se os gastos envolveram campanhas digitais ou compra de dados. Conseguimos isso por um processo de duas etapas:

1. Pesquisando a fatura em busca de pistas de contexto

O banco de dados da Comissão Eleitoral inclui cópias das faturas. Elas estão disponíveis no banco de dados online, mas não estão diretamente vinculadas ao csv baixado. O exame desses documentos nos ajudou a entender o que as empresas e tecnologias contratadas pelos partidos fazem. No entanto, enquanto algumas faturas podem fornecer mais ou menos informações sobre quais serviços foram prestados aos partidos, outras não o fazem. Às vezes, pode ser necessário uma pesquisa mais aprofundada sobre os fornecedores para esclarecer suas atividades, bem como o histórico da empresa, a rede de clientes e a reputação.

Por exemplo, a partir de detalhes da fatura e pesquisas online do destinatário do pagamento (empresa ou serviço), podemos determinar que a Alchemy Social, um serviço contratado pelo Partido Trabalhista do Reino Unido, é especializado em campanhas publicitárias. Uma pesquisa simples revela que o Alchemy Social é administrado pela Experian plc, uma grande empresa de relatórios e cadastros de crédito que opera internacionalmente coletando e agregando dados sobre pessoas e empresas, e que supostamente gerou perfis detalhados de mais de um bilhão de pessoas.

Exemplo de fatura relacionada a eleições, emitada pela empresa Alchemy Social (an Experian Business) para o partido trabalhistaUma fatura mostrando os serviços cobrados do Partido Trabalhista pela Alchemy Social para "atividade" no Facebook. Disponível em https://search.electoralcommission.org.uk/

2. Investigando o provedor de serviços

Pode ser que nem sempre você seja capaz de construir uma imagem completa a partir das faturas disponíveis. Às vezes, as descrições dos serviços faturados podem ser obscuras, enquanto algumas das faturas podem não estar disponíveis se o partido não tiver entregue tudo à comissão, ou tiver canalizado as despesas por meio de outros parceiros de campanha. No caso da campanha do Brexit, por exemplo, a Comissão Eleitoral do Reino Unido multou Vote Leave (a campanha pró-Brexit) por violar a lei eleitoral canalizando mais de 600.000 libras esterlinas para o grupo de jovens pró-Brexit BeLeave, a fim de evitar a violação de seu limite de gastos de campanha de sete milhões de libras esterlinas (esse limite foi imposto pela Comissão em todas as campanhas).

As faturas que examinamos não forneciam detalhes explícitos, então tivemos que investigar mais sobre as próprias empresas. Nestas circunstâncias, nós nos baseamos principalmente em materiais publicados pelas próprias empresas, geralmente em seus sites.

Exemplo de fatura relacionada a eleições, emitada pela empresa Messina Group para o partido conversador britânicoUm exemplo mostrando como poucos detalhes podem estar contidos em uma fatura. Trata-se de um pagamento do Partido Conservador ao Grupo Messina, que assessora em estratégias de campanhas digitais. Disponível em https://search.electoralcommission.org.uk/

Nos casos em que a empresa não tinha site, descobrimos mais sobre sua missão ou suas atividades no LinkedIn ou outras plataformas de mídia social. Em alguns casos extremos, foi apenas por meio de registros comerciais oficiais que pudemos encontrar informações sobre o negócio e suas atividades.


Dica:

No Reino Unido, os registros comerciais estão disponíveis online e gratuitamente na Casa Das Empresas (Company House). Você pode pesquisar pelo nome da empresa ou pelo nome de um fundador ou diretor. Este método nem sempre fornece informações sobre o que a empresa faz, embora o principal tipo de atividade seja frequentemente mencionado. É, no entanto, muito útil para ver o nome dos fundadores ou diretores, o que pode permitir que você pesquise se eles estão ligados a um partido político ou a outras empresas, por exemplo.

Seguindo o dinheiro da campanha

A pesquisa das empresas por trás dessas faturas revelou uma segunda camada de campanha digital para se investigar: as complexas relações entre diferentes corretores de dados, e empresas de marketing político e tecnologia.

No caso da Alchemy Social, podemos tirar algumas conclusões preliminares do fato de que seus serviços no Facebook parecem ser alimentados pelos recursos de sua proprietária, a Experian plc.

Este exemplo mostra como pesquisas adicionais sobre as conexões do fluxo de dinheiro e organizações – que inicialmente não são óbvias nos dados da Comissão Eleitoral – podem nos fornecer uma visão mais ampla do contexto de gastos com dados, bem como insights sobre as atividades de empresas.

Diagrama demonstrando como partidos políticos transferem dinheiro ao Facebook e empresas como Alchem Social, que por sua vez, enviam para Facebok e Experian. Partido político dá dinheiro ao Facebook ou a empresas intermediárias como a Alchemy Social, que são intermediárias nos fluxos de dinheiro de ativistas, Facebook e Experian

É útil ter em mente que outra maneira pela qual o dinheiro viaja, e fica disfarçado na visão inicial, está na forma de serviços doados por empresas que pertencem à causa política ou que são, pelo menos, simpáticas a ela. Não haverá vestígio de nota fiscal no banco de dados da Comissão Eleitoral se uma empresa simplesmente prestar um serviço gratuitamente. Embora possa ser difícil encontrar tais evidências, às vezes elas são reveladas por investigações legais. Por exemplo, o comissário de informações do Reino Unido descobriu que outra campanha pró-Brexit de 2016 - Leave.EU - usou dados de clientes de uma seguradora chamada Eldon Insurance para direcionar mensagens políticas para eles. Esta empresa é propriedade de Arron Banks que foi, ao mesmo tempo, um dos principais doadores da Leave.EU. O caso está detalhado neste artigo do The Guardian.

Compreendendo as práticas partidárias da perspectiva do usuário e do eleitor/apoiador

Além de seguir o rastro do dinheiro por meio de conjuntos de dados públicos como os da Comissão Eleitoral do Reino Unido, uma investigação sobre serviços de campanha digitais e centrados em dados pode se beneficiar muito ao analisar a questão pela perspectiva de um apoiador de partido político, ou de um usuário de várias ferramentas de campanha política. Isso pode incluir tudo, desde inscrever-se em listas de e-mail de partidos, ingressar em aplicativos criados por partidos políticos, navegar em seus sites e acessar fóruns de campanha.

Por exemplo, no site de um partido, você pode ver que ele pode ter um botão de doação por meio do qual coletará seus dados de contato e financeiros (endereço de e-mail e detalhes do cartão de crédito, por exemplo). A política de privacidade do site pode revelar se eles usam esses dados para outros fins ou se os compartilham com terceiros. Como alternativa, você pode se inscrever em um aplicativo de um partido político e ver que tipo de informação do usuário eles solicitam, ler as políticas de privacidade para saber o que mais eles podem ter acesso no seu telefone (como sua localização, contatos, tipo de telefone) e, assim, descobrir mais sobre os dados que eles coletam. Por exemplo, você pode observar se por meio do aplicativo você recebe mensagens sobre determinados tópicos que eles marcaram como de seu interesse. Isso pode significar que o aplicativo ou serviço está coletando dados pessoais suficientes para poder criar seu perfil e descobrir a quais problemas e mensagens você (como um potencial eleitor) pode ter mais probabilidade de reagir.


Observação:

Lembre-se sempre de verificar os termos e condições de qualquer plataforma que você usar, antes de começar a coletar dados ou usar informações postadas por outros na plataforma como evidência em sua investigação. Quebrar os termos de uso e coletar dados de usuários sem consentimento pode causar problemas para você como um investigador. Também é importante proteger as informações pessoais de usuários de serem expostos desnecessariamente enquanto você constrói sua evidência ou publicar suas descobertas.

Outra maneira de obter uma perspectiva privilegiada dos serviços orientados a dados que são encomendados por atores políticos é através da verificação de demos do próprios serviços. Muitas empresas fornecem versões de teste, ou demo, de suas campanhas digitais ou serviços de marketing. Ao experimentar ou assistir a vídeos de demonstração de seus produtos, é possível ver exatamente quais táticas e técnicas eles usam para traçar o perfil dos grupos-alvo.

Por exemplo, NationBuilder, uma das empresas usadas por muitos grupos políticos menores e políticos locais no Reino Unido, tem demonstrações em vídeo e imagens de seu aplicativo, bem como várias demonstrações gratuitas (também sujeitas aos termos e condições que um pesquisador deve observar). Essas demonstrações devem fornecer uma visão geral de suas estratégias de coleta de dados e capacidades de análise.

Uma captura de tela do site da NationBuilder mostrando suas ofertaUma captura de tela do site da NationBuilder mostrando suas ofertas

Materiais publicados por partidos e ativistas políticos

Tendo já pesquisado notícias e investigações sobre nosso tema de interesse, nos voltamos para o que as partes e os fornecedores de serviços revelavam sobre si mesmos.

Além de utilizar versões de teste de seus aplicativos e plataformas, podemos olhar para outras maneiras pelas quais essas empresas se comunicam com clientes em potencial e outros participantes do setor. Muitas vezes, essas informações podem ser encontradas em blogs, publicações do setor, entrevistas e comunicados à imprensa. Esses documentos geralmente incluem informações concretas sobre atividades de campanha que podem ser úteis para a investigação.

Por exemplo, pesquisamos o blog «https://dominiccummings.com/» de Dominic Cummings, diretor de campanha da Vote Leave, que em geral se concentrava em sua estratégia e tática de campanha. Os métodos que ele descreveu contribuíram para uma campanha bem-sucedida no referendo de 2016. Em uma postagem no seu blog, ele forneceu uma visão detalhada sobre o uso dos dados que antecederam a votação:

“Em vez de gastar uma fortuna em uma agência cara (com 15% indo para eles através de ‘despesas controladas”) e afixando cartazes para “fazer parte da conversa nacional” semanas ou meses antes da votação, decidimos: 1) contratar físicos extremamente inteligentes para considerar tudo desde os princípios básicos; 2) colocar quase todo o nosso dinheiro no digital (~98%); 3) guardar a grande maioria do nosso orçamento e usar tudo no final, gastando naqueles anúncios que os experimentos mostraram que eram mais eficazes (codinome interno “Waterloo”).”

Embora este seja um relato subjetivo de como um lado venceu, ele oferece muitos detalhes históricos e técnicos que podem fundamentar a investigação e fornecer pistas para pesquisas futuras.

Da mesma forma, as publicações dos próprios partidos podem fornecer uma visão geral de suas estratégias de divulgação mais recentes. Por exemplo, existe um blog sobre as atividades do Partido Conservador e outro que foca em as práticas do Liberais Democratas, para citar alguns.

Estes são recursos valiosos porque são relatos em primeira mão das atividades dos partidos. No entanto, é importante lembrar que quaisquer destas informações e declarações podem ser tendenciosas, servindo para os interesses do partido, e precisam ser completamente verificadas da mesma maneira que informações de um jornal ou quaisquer outras fontes devem ser verificadas.

Expectativas e descobertas

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As técnicas descritas nesta investigação nos ajudaram a nos aproximar do objetivo de identificar quanto dinheiro os políticos e partidos políticos gastaram com dados pessoais em campanhas políticas no Reino Unido.

A pesquisa revelou grandes discrepâncias nos gastos de diferentes partidos políticos, bem como um aumento geral nos gastos com dados. A pesquisa também destacou as lacunas nas informações relatadas.

Uma descoberta importante foi que às vezes uma investigação não dá a você os resultados que você espera. Embora a princípio isso tenha sido frustrante, mais tarde tornou-se uma descoberta importante em si – a falta de transparência e as lacunas nos relatórios são reveladoras em si mesmas. Ao identificar e relatar isso, poderíamos destacar problemas com a transparência do sistema.


Publicado em abril de 2019
Traduzido para português em abril de 2024

Recursos

Artigos e guias

  • Cambridge Analytica Files (Arquivos Cambridge Analytica), do The Guardian. Uma série de investigações sobre as controversas práticas de mineração de dados e marketing eleitoral da empresa de consultoria política Cambridge Analytica.

  • Data and Democracy in the UK (Dados e Democracia no Reino Unido), da Tactical Tech. Um relatório de pesquisa sobre as práticas de coleta, processamento e uso de dados pessoais dos eleitores nas eleições do Reino Unido.

  • Influence Industry (A indústria da influência), da Tactical Tech. Um projeto de pesquisa que analisa as práticas de coleta, processamento e uso de dados pessoais de eleitores em eleições em todo o mundo.

  • Tabelas dinâmicas no LibreOffice da Ajuda do LibreOffice. Um pequeno guia sobre como trabalhar com tabelas dinâmicas e algumas dicas úteis para ajudá-lo no processamento de dados no LibreOffice Calc.

  • Tabelas dinâmicas no Excel 2016, do GCFGlobal. Um guia introdutório sobre como trabalhar com tabelas dinâmicas. Um guia para Excel 2013 também está disponível.

Ferramentas e Bancos de Dados

Glossário

term-databroker

Corretor de dados – uma empresa ou pessoa que usa dados como um ativo por coletar dados de várias fontes, incluindo de coleta de registros de banco de dados, pesquisas e redes sociais. Os corretores coletam dados de várias fontes, incluindo assinaturas, compras e cookies de rastreamento, por exemplo.

term-datadriven

Campanha baseada em dados – quaisquer atividades de campanha que são dependentes dos dados das pessoas para serem realizada. Por exemplo, dados coletados sobre usuários de mídias sociais são úteis para criar perfis de eleitores e desenvolver mensagens e anúncios de mídia social direcionados.

term-content

Conteúdo personalizado – mensagens criadas para atrair determinadas pessoas e grupos em vez de audiências mais amplas. Este conteúdo pode ser enviado para determinados grupos segmentados e direcionados, como todos em uma lista de e-mail que compartilha um interesse comum, ou todos em uma determinada mídia social plataforma de uma certa idade, sexo ou localização. O conteúdo do mensagem é geralmente personalizado, por mensagem, imagens e estilo, para ser relevante para esse grupo.

term-campaigner

Ativista político – uma pessoa que organiza e dirige campanhas políticas para partidos e indivíduos que buscam obter apoio eleitoral.

term-campaign

Campanha política – um processo pelo qual partidos políticos e os indivíduos realizam ações organizadas para compartilhar suas políticas e valores com o objetivo de ganhar apoio, principalmente para o dia das eleições, mas também para suporte o ano todo.

term-target

Direcionamento seletivo de mensagens – mensagens, incluindo texto e imagens, compartilhados em canais destinados a atingir apenas determinados grupos selecionados com base em detalhes como localização, profissão, várias preferências, etc.

term-voterprofile

Perfilamento do eleitor – uma técnica usada para entender o comportamento, personalidade e outras características de eleitores individuais ou grupos específicos de eleitores (ou potenciais eleitores). Com base neste perfil, os especialistas podem criar relatórios detalhados perfis para ajudar a determinar quais causas políticas ou partidos as pessoas provavelmente apoiarão ou rejeitarão e a quais mensagens eles podem responder melhor.