Avaliação de evidências e fontes de informação

Por Mario Rautner

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Resumindo: você identificou e coletou informações que podem servir como evidência em sua investigação. Qual o próximo passo? - Aprenda como analisar e verificar informações, bem como avaliar suas fontes para poder avaliar a confiabilidade de suas descobertas.


A força de uma investigação é igual à força das evidências que você coleta para ela. Sem evidências para apoiar seu trabalho, suas reivindicações ou declarações têm pouca substância e não convencerão seu público. Em alguns casos, você pode até enfrentar consequências legais se não conseguir apoiar suas afirmações com evidências fortes.

Portanto, é importante que os investigadores entendam o tipo de evidências que podem reunir, a confiabilidade e força das fontes a partir das quais as evidências são coletadas, e quando a combinação de evidências e eorte o suficiente para que a investigação se transforme em uma história, um relatório, uma reivindicação, uma campanha, ou seja tornada pública de qualquer outra forma, se esse for o seu objetivo final.

Desenvolvendo uma hipótese

Uma hipótese é «suposição, possibilidade considerada válida antes de sua confirmação feita com base de evidências limitadas como ponto de partida para uma investigação mais aprofundada». Ter uma hipótese não apenas dará foco à sua investigação, mas também ajudará a orientá-lo através das evidências que você precisa coletar, e avaliar as informações que já coletou. Para maior clareza, podemos usar o termo «hipótese de trabalho», uma vez que implica um trabalho em andamento, que evolui e pode mudar com base nas evidências que você encontra (ou não encontrar).

No livro «Story-Based Inquire» (Investigação baseada em histórias: um manual para jornalistas investigativos, disponível em português no site da Unesco) o co-autor Professor Mark Lee Hunter, membro fundador da Global Investigative Journalism Network (GIJN) argumenta que o uso de hipóteses é o núcleo do método investigativo e que o desenvolvimento de uma hipótese do nlgo para verificar, o que significa que você pode avaliar suas evidências contra a hipótese. Isso, por sua vez, ajudará você a estruturar e planejar sua investigação. Essa pesquisa estruturada tornará muito mais provável que você aplique técnicas que o levarão a provas importantes.

Também é imperativo reconhecer que sua hipótese inicial não é algo definitivo. Pode e deve mudar à medida que você descobre e interpreta novas evidências. Às vezes, uma hipótese inicial pode até parecer irracional, especulativa ou infundada, mas conforme você encontra mais provas, voca neve ser capaz de ajustá-la e expandi-la. Não fazer isso significa que você corre o risco de cair em armadilhas de teorias erradas, ou teorias da conspiração – apesar de até mesmo os defensores de tais teorias serem capazes de apoiar suas hipóteses com alguma forma de evidência ou interpretações dela.


Exemplo hipotético

Você pode ter recebido uma denúncia anônima de que um curtume (estabelecimento onde se realiza o curtimento de couros) está despejando lixo tóxico em um rio de sua vizinhança, matando peixes. Primeiro, você verifica rapidamente alguns fatos, incluindo regulamentos aplicáveis para lançamento de efluentes e a localização de várias fábricas, em relação ao rio, por satélite. Você também fala com alguns moradores e um deles relata ter visto peixes mortos no rio recentemente. Neste ponto, você não sabe se existe qualquer verdade nas informações que recebeu, mas porque há várias empresas localizadas nas proximidades do rio, você desenvolve uma hipótese inicial:

  • «Alguém está liberando produtos químicos ilegalmente no rio.»

Este exemplo é usado em todo o guia.

O que é prova e o que fazer se não houver prova?

O principal objetivo de um investigador é descobrir e relatar informações confiáveis e fatos verificáveis que podem servir como prova. Prova é definida pelo o dicionário Dicio como «o que demonstra a veracidade de uma proposição, de um fato; comprovação.» A prova pode ser aplicada a peças individuais de evidência, bem como à sua hipótese geral enquanto soma das evidências coletadas. Seu objetivo sempre será coletar evidência suficiente para chegar o mais perto possível de provar ou refutar uma hipótese. No entanto, é importante destacar que jornalistas, investigadores cidadãos e outros membros da sociedade civil que investigam têm papéis diferentes na sociedade em comparação com cientistas ou sistemas jurídicos. O que podemos chamar de “abordagem jornalística” não é o mesmo que “abordagem científica” em relação às provas e à investigação. Enquanto uma hipótese de trabalho direciona você em seus esforços investigativos, seu objetivo não é provar que sua hipótese está correta a todo custo. Em vez disso, sua responsabilidade é manter a mente aberta para explicações alternativas, mesmo que possam ir contra com suas próprias crenças ou convicções.

Embora seu objetivo seja provar ou refutar sua hipótese, tenha em mente que é extremamente raro qualquer investigação fornecer 100% de provas. Mais frequentemente, sua coleta de evidências resultará em uma aproximação da prova onde (depois de olhar para todos as possíveis explicações) sua hipótese é a explicação mais provável de como os eventos ocorreram.

Haverá situações em que - apesar de seus melhores esforços - sua investigação chegará a um beco sem saída. Nesse ponto, você pode desistir de sua investigação, mudar o foco ajustando sua hipótese (mesmo que isso desafie suas próprias suposições) ou publicar as informações que você tem de forma transparente, sem fazer afirmações sobre o que você não tem nenhuma evidência.

Tipos de provas e busca de provas

Uma vez que você tenha adotado uma hipótese de trabalho, ela irá guiá-lo através de sua investigação e coleta de evidências. Existem diferentes tipos de evidências que você pode encontrar no decorrer de sua investigação. As evidências podem ser diretas ou indiretas, obtidas por meio de pesquisa de campo ou no escritório, podendo ser físicas ou digitais. A maioria das evidências estará em mais de uma dessas categorias. Essas diferenciações importam quando se trata de interpretar as evidências e verificar sua força e confiabilidade. Muitas vezes, o tipo de evidência está ligada ao tipo de investigação que você está realizando. Por exemplo, investigação de campo tende a resultar em evidências físicas, como amostras ambientais, ou em vídeos e fotos.

Evidência direta x indireta

A evidência direta geralmente fala diretamente sobre sua hipótese e estabelece fatos. Exemplos disso incluem vídeo, áudio e provas fotográficas. Relatos de testemunhas oculares de eventos, documentos oficiais, e registros, também são considerados evidências diretas.

A evidência indireta, por outro lado, geralmente é a que sustenta uma afirmação, mas não é forte o suficiente e, principalmente, é de segunda mão e, portanto, não é capaz de estabelecer fatos com a mesma força. Exemplos disso incluem declarações de pessoas que não observaram eventos diretamente, declarações de porta-vozes de terceiros e, geralmente, qualquer tipo de evidência que exige que você faça inferências. Uma inferência é uma opinião ou conclusão que você forma com base em evidências não diretamente ligadas a essa conclusão. Fazemos inferências todos os dias: por exemplo, quando você vê um pacote na frente da sua porta, você presume que é para voca uem olhar para a evidência direta, o rótulo da embalagem. Isso só é forte o suficiente para sustentar uma hipótese se houver uma acúmulo de evidências indiretas e quando nenhuma outra conclusão lógica u possível. Na maioria das vezes, quando você se deparar com evidências indiretas, será necessário realizar mais investigações e verificar com outras fontes, sempre que possível.


Exemplo

É importante ter em mente que mesmo evidências diretas podem apenas confirmar um componente específico de sua hipótese em vez de toda a história.

No nosso exemplo de poluição da água, um relatório de um laboratório que mostra produtos químicos sintéticos tóxicos em um rio apenas estabelece o fato do rio estar poluído. Não fornece nenhuma informação sobre quem causou a poluição, nem necessariamente mostra o ponto exato, no rio, onde a poluição ocorreu originalmente. Exemplos de evidências indiretas, neste estudo de caso, podem ser a observação, por uma testemunha ocular, de água com coloração alterada, ou a descoberta de peixes mortos. Nenhum desses exemplos estabelece ou refuta se há poluição no rio já que a coloração da água, e os peixes mortos, podem ocorrer por causas naturais, e um porta-voz da empresa não fornecerá evidências diretas.

É importante ter em mente que o que é evidência indireta para uma afirmação, ou hipótese, pode ser evidência direta para outra. Se um porta-voz da empresa diz que «nossa empresa não despeja substâncias químicas tóxicas no rio», isso pode ser considerado apenas evidência indireta de que a empresa de fato não causa poluição. É, no entanto, evidência direta para estabelecer que a empresa nega ter causado a poluição do rio.

Evidência humana x física x digital

As evidências podem se originar de uma ampla gama de fontes, que podem ser principalmente categorizadas em:

  • humanas

  • físicas

  • digitais

Evidências de fontes humanas podem vir de qualquer pessoa que seja, de modo geral, associada ou tocada por suas investigações, mesmo que apenas nas margens da investigação. Por exemplo, isso pode incluir testemunhas oculares, vítimas, oficiais do governo, cientistas, porta-vozes, jornalistas ou especialistas. Em última análise, as evidências digitais e físicas estão sempre vinculadas e influenciadas, em algum nível, por evidências e fontes humanas, uma vez que são sempre originalmente desenvolvidas, criadas ou analisadas por humanos. Nós vamos discutir mais isso na próxima seção sobre avaliação de evidências mas, por enquanto, vale lembrar que vídeos e fotos são feitos por pessoas, que amostras ambientais são analisadas por máquinas e computadores controlados e operados por pessoas, e que documentos são escritos e editados por pessoas. As pessoas são subjetivas e têm pontos de vista ou posições que podem afetar as evidências que produzem.

Evidência física se aplica amplamente a documentos em papel, livros, revistas, contratos, notas fiscais, amostras ambientais, algumas fotos e vídeos e muito mais. Embora nosso mundo esteja se tornando cada vez mais digital, a evidência física é importante e geralmente é mais confiável do que a maioria de suas contrapartes digitais, uma vez que não pode ser manipulada com facilidade. Uma vez que os mundos digital e físico estão cada vez mais integrados, os limites entre evidência física e digitais são cada vez menos claros. Apenas vinte anos atrás, vídeos e fotos teriam sido considerados evidência física, mas evidência fotográfica e de vídeo, atualmente, são estritamente digitais, pois se originam de câmeras digitais. Essa é uma das razões pelas quais avaliar a origem e a força das evidências, e das fontes que as fornecem, tornou-se tão importante. Uma tendência semelhante ocorre, por exemplo, com documentos, cada vez mais digitalizados. Apenas alguns anos atrás, uma solicitação via Lei de Acesso à Informação poderia render centenas de páginas de documentos físicos. Agora é muito mais provável que a resposta do governo ao seu pedido inclua documentos em PDF e registros digitais. De muitas maneiras, a conversão para a mídia digital, e a facilidade com que as informações podem ser adulteradas, representa um importante desafio para os investigadores.

Por causa da indefinição desses limites, e do rápido movimento em direção ao fornecimento e armazenamento de documentos digitais, estamos usando uma definição limitada e um tanto fluida de evidência digital no contexto deste guia. Aqui, evidência digital só se aplica a informação que e gncontrada na internet. Isso inclui artigos, relatórios e estudos online, bancos de dados digitais, vídeos e fotos que estão online, mas também blogs, mídias sociais, fóruns de discussão. Fotos e vídeos que vem diretamente de câmeras, e em seus formatos brutos, são consideradas evidências físicas aqui.

Observe, no entanto, que com algum esforço quase tudo no mundo digital pode ser manipulado, incluindo imagens e vídeos. Os metadados das fotografias que não foram feitas por você podem ser facilmente alterados e não devem ser considerados como prova, a menos que você possa verificar e confirmar a partir de sua(s) fonte(s) original(is) e/ou por outros meios, como pesquisas reversas de imagens - usando ferramentas como:

e/ou, por verificação de geolocalização e hora, etc.

Para obter orientações adicionais e dicas sobre como verificar imagens, consulte outros recursos online, como:


Dica - Falsificações Profundas (Deepfakes), vídeos e fotos

Os limites entre evidências digitais e físicas estão diminuindo constantemente. Isso significa que vídeos, fotos, documentos PDF, etc., existem tanto no mundo digital, quanto no físico. A rigor, são em grande parte digitais, mas muitas vezes são tratados como se fossem físicos. O aumento da capacidade computacional de computadores, seus softwares e inteligência artificial, significa que está ficando mais difícil identificar falsificações. Por exemplo, as chamadas falsicações profundas (deepfakes), uma tecnologia que é capaz de produzir fotos e vídeos gerados por computador, mas extremamente convincentes. Embora neste momento seja menos provável que você encontre evidências falsas deste tipo em suas investigações, considerando que falsificações surgiram apenas em 2017 e seu uso está se espalhando rapidamente, é viável que num futuro próximo possam ser utilizados por governos, empresas ou indivíduos para fornecer evidências falsas tanto de eventos que ocorreram ou não. Tem sido dito que as falsificações profundas serão capazes de «distorcer o discurso democrático; manipular eleições; erodir a confiança nas instituições; enfraquecer o jornalismo; exacerbar divisões sociais; minar a segurança pública; e infligir danos de difícil reparação à reputação de personalidades proeminentes, incluindo autoridades eleitas e candidatos a cargos». Fonte: «Is seeing still believing? The deepfake challenge to truth in politics» (em português, Ver ainda é crer? As falsificações profundas são um desafio à verdade na política), de William A. Galston em brookings.edu.

Se você está procurando aprender mais sobre as falsificações profundas e o potencial de algumas tecnologias emergentes (e em constante aprimoramento) para distorcer os fatos e a realidade, dê uma olhada no Deepfake Lab da Tactical Tech, que fornece uma série de exemplos interativos e explicações de como tudo isso é possível. trecho do site Deepfake Lab. Sobre fundo branco, vemos uma foto de um símile Anne Hathaway ao lado de texto em preto:  Então como você faz uma deepfake? Você precisa de dois vídeos: um de origem e um de destino. O programa se treinará usando ambos e criará uma máscara do vídeo de origem que pode ser sobreposta no vídeo de destino usando um software de edição. Fonte da imagem: Tactical Tech, Deepfake Lab – Projeto Glassroom: https://www.theglassroom.org/pt/desinformacao/exibicao

Sobre fundo branco no top, vemos um retângulo vermelho com a frase Futuro Deep em branco, logo abaixo, a frase 'Como a tecnologia deepfake mudará sua vida e a maneira de vermos os outros.', seguida de uma ilutração de 3 corpos humanos - duas mulheres e um homem - em que seus contornos se transformam em pontos, linhas formando uma grade, sugerindo dissolução na forma de dados e wireframes. Abaixo, uma série de 6 blocos com texto com ilustraçoes de partes de corpos humanos, similares à logo acima, e blocos de texto, com os seguintes titulares: Sua Fala; Seu Corpo; Seu Rosto; Sua Personalidade; Sua Vida Após a Morte; Sua Memória; Imagem: DeepFake Future (Um Futuro de Falsificações Profundas) – pôster do projeto Sala de Vidro da Desinformação da Tactical Tech: https://www.theglassroom.org/misinformation/exhibition/

Evidências de pesquisa documental e de campo

Há muitas evidências que você pode reunir sem sair de casa. As evidências da pesquisa documental, também chamada de pesquisa secundária, pesquisa de fontes secundárias ou pesquisa de gabinete,incluem qualquer coisa que você possa descobrir com seu computador, como pesquisa de artigos científicos ou de jornal, informações em bancos de dados, até mesmo vídeos, áudio e fotos , bem como informações coletadas de mapas digitais, imagens de satélite e mídias sociais. A evidência de gabinete também inclui qualquer coisa que seja enviada por e-mail para você por meio de solicitações da Lei de Acesso à Informação, ou por meio de conversas online.

Pesquisa de campo exige que você saia de casa. Ela pode se realizar por meio de uma série de atividades, como entrevistas, coleta de evidências em bibliotecas e arquivos, bem como amostras ambientais. A pesquisa disfarçada geralmente ocorre no campo (embora algumas técnicas secretas, como o uso de identidades diferentes, também são amplamente aplicadas online).

Exemplos de classificações de evidências

A tabela abaixo apresenta alguns exemplos de diferentes tipos de evidências e categoriza-os de acordo com o tipo (direto, indireto), suas fontes (humano, físico, digital) e a origem de onde foi obtido (área de trabalho, campo). Como apontado anteriormente, a mesma evidência pode ser direta ou indireta, dependendo de sua afirmação ou hipótese. Portanto, esta tabela só é relevante no quadro de uma hipótese.


Exemplo

Em nosso exemplo hipotético a assertiva que testamos abaixo é: «A Empresa X esta despejando água tóxica no rio.»

Tipo Fonte Origem
Exemplo de evidência Direto Indireto Humano Físico Digitais Gabinete Campo
Entrevista com representante da empresa gravada, e vista na internet, afirmando que não há poluição hídrica por parte da empresa X X X X
Fotos tiradas por outras pessoas de peixes mortos no rio X X X
Uma carta/PDF de um laboratório com os resultados dos testes das amostras de água mostrando toxicidade elevada X X X
Medidas da qualidade da água divulgadas no site da câmara municipal, mostrando que não há toxicidade elevada da água X X X X
Declaração escrita ou gravada por um cientista que interpreta os impactos ambientais do lançamento de efluentes X X X
Declaração do prefeito, em comunicado à imprensa, sobre a poluição dizendo que não acredita que haja um problema ou que seja causada por uma empresa X X X X
Um morador conta que percebeu o mau cheiro da água do rio perto da empresa X X X X
O CEO admite em uma gravação secreta que sua empresa despejou água não tratada no rio por anos, dizendo que todo mundo está fazendo isso. X X X
Testes de laboratório de amostras de água do efluente da tubulação da empresa mostram descargas altamente tóxicas X X X

Pela própria natureza das investigações, evidências diretas que comprovem sua hipótese geral não são fáceis de obter e um cenário muito provável é que você tenha que combinar muitas fontes indiretas, ou múltiplas hipóteses para estabelecer a prova. Se você pegar cada uma das evidências por em si mesma, ela não será muito significativa e não significará que a hipótese de poluição do rio pela empresa X estará correta.

É importante questionar suas evidências o tempo todo e não chegar a conclusões que não sejam claramente apoiadas por suas evidências, ou que permitam interpretações lógicas alternativas.

Analisando evidências

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Para entender até que ponto as evidências que você reuniu podem constituir prova, é necessário analisar a sua força. Cada peça de informação ou evidência traz riscos e pode trazer ainda mais perguntas. Portanto, a capacidade dos investigadores de questionar a a confiabilidade e a força das evidências reunidas, tornam-se vitais. Esse ceticismo em relação às próprias opiniões e preconceitos é uma característica de investigadores honestos/justos.

Força e precisão das fontes

Ao interpretar evidências, é crucial entender a confiabilidade e as motivações da fonte da informação. Isso significa que a mesma informação pode ser considerada forte ou fraca dependendo da sua origem e do contexto em que foi fornecida. Cabe ao investigador interpretar a evidência, em combinação com sua origem e fonte, para determinar sua força.

Algumas evidências já passaram por pelo menos algum tipo de processo de revisão tornandos-as, geralmente, mais fortes e confiáveis.

  • Artigos científicos, por exemplo, geralmente passaram por revisões, embora devamos ter cuidado com as pré-impressões que foram publicadas antes da conclusão das revisões. Atenção especial também precisa ser dada às fontes de financiamento de tais artigos, uma vez que muitas empresas encomendam pesquisas que podem se tornar favoráveis aos seus interesses.

  • Relatórios de organizações de mídia respeitáveis, mesmo que existam inteiramente no mundo digital, muitas vezes são revistos internamente por verificadores. Isso não significa que você não deva checar suas fontes e dados, pois suas informações podem nem sempre estar corretas. Verificar sua afiliação e códigos de conduta também é uma boa maneira de estabelecer alguma confiança. Por exemplo, organizações de mídia comerciais e sem fins lucrativos que fazem parte da International Fact Checking Network ou da Global Investigative Journalism Network (GIJN) podem ter sistemas em vigor que resultam em maior precisão.

  • Quanto menos corrupto e mais transparente for um governo, mais as informações que ele libera podem ser confiáveis. No entanto, em geral, informações de governos nacionais, estaduais e locais raramente devem ser consideradas fortes o suficiente para contradizer sua hipótese por conta própria.

É um fenômeno bem conhecido que os humanos muitas vezes tendem a acreditar no que eles querem acreditar e - gostemos ou não - investigadores não são imunes ao «viés cognitivo».


Nota

Mesmo os cientistas que tentam usar metodologias replicáveis para experimentos que podem ser repetidos, e assim obter os mesmos resultados, não são objetivos em todos os casos. Essa potencial falta de objetividade pode influenciar o resultado de seu trabalho. Ângela Saini escreveu que «Cientistas que imaginam que o viés está nos outros, e não neles mesmos, falham em reconhecer que viver no mundo, hoje, é ser alimentado por suposições e preconceitos que orientam nossos pensamentos e ações.»

Se existe viés para os cientistas, que geralmente aplicam o método mais objetivo para o seu trabalho, então certamente existe para investigadores, que geralmente tratam de assuntos que não seguem uma metodologia tão estrita. Compreender o papel que os próprios investigadores desempenham no resultado de suas investigações é muito importante. Não compreender, traz o risco de incluir informações imprecisas, que podem ter consequências legais significativas para o investigador, bem como consequências pessoais substanciais para as pessoas acusadas incorretamente. É por isso que, na dúvida, é melhor presumir que você não tem provas suficientes para sua hipótese.


Viés cognitivo

Viés cognitivo é um termo amplo que se refere à maneira como nosso julgamento e a tomada de decisão são influenciados pelo contexto da informação e por nossas crenças pessoais. O viés cognitivo foi definido pela primeira vez por meio de pesquisas psicológicas na década de 1970, mas as pessoas estão cientes do fenômeno por centenas de anos.

O viés cognitivo pode ter consequências graves.

Ter consciência de um viés é particularmente importante para os investigadores cidadãos porque muitas vezes trabalham sozinhos ou em pequenos grupos, freqüentemente têm ligações pessoais, ou emocionais, com o resultado de suas investigações e podem carecer de processos de revisão que são comuns em organizações sem fins lucrativos e na mídia.

  • Um dos vieses cognitivos mais relevantes para os investigadores é viés de confirmação, no qual favorecemos ideias que confirmam nossas crenças existentes e o que pensamos que sabemos. Como resultado, as pessoas podem favorecer evidências científicas específicas, ou outros dados, enquanto negam evidências contraditórias, e também podem chegar a conclusões amplas alinhadas com o próprio viés. Investigadores e jornalistas não estão imunes a esse preconceito. Um experimento que comparou jornalistas com cidadãos de outras profissões na Alemanha descobriu que os jornalistas eram igualmente suscetíveis ao viés de confirmação.

  • Outro viés importante a ser observado é o «sunk-cost efect» (efeito do custo irrecuperável). Este viés é definido como uma tendência a continuar se esforçando em uma tarefa, uma vez que você já investiu bastante nela. Este investimento pode ser monetário, mas também pode ser tempo e esforço. Para investigadores isso é relevante, por exemplo, no caso de uma evidência que refuta a hipótese ser ignorada, especialmente se ela for descoberta depois de muito esforço despendido na investigação.

Existem muitas outras formas de viés cognitivo que podem facilmente influenciar nossa capacidade de realizar investigações com objetividade.

  • Viés de disponibilidade: quando as pessoas dão mais crédito a soluções e informações de que se lembram primeiro, que geralmente são as mais recentes. Isso pode ser uma falácia nas investigações, principalmente para aquelas que se estendem por longos períodos de tempo.

  • Viés de ancoragem: é quase o oposto do viés de disponibilidade. Aqui as pessoas são mais propensas a acreditar na informação inicial que, portanto, serve como uma âncora contra a qual as informações futuras e as evidências são comparadas.

A boa notícia é que a consciência dos próprios preconceitos, a aplicação de métodos e ferramentas específicos para evitá-los, e o treinamento, podem reduzir o quanto o viés cognitivo afeta nossas tomadas de decisão e pensamentos. Algumas das técnicas que ajudam a reduzir o risco de viés incluem:

  • Buscar segundas opiniões de interpretação de evidências por colegas e outros investigadores

  • Rever sua conclusão depois de algum tempo e

  • Fazer um esforço para refutar conclusões e interpretação de evidências

Técnicas adicionais podem ser encontradas online e cientistas até desenvolveram jogos de computador como este aqui para ajudar as pessoas a melhorar decisões e reduzir preconceitos.

Durante uma investigação, você pode conversar com várias pessoas de uma empresa e fazer perguntas semelhantes a elas.


Exemplo

Em nosso exemplo com a poluição da água, você pode falar com uma recepcionista, um porta-voz da mídia, um trabalhador, e um guarda de segurança, e perguntar a cada um se estão cientes da poluição da água causada pela empresa.

É provável que um diretor ou porta-voz da empresa tenha conhecimento detalhado das atividades e planos gerais da companhia, mas tenha muito a perder. Isso pode resultar em tentativas de despistar ou enganar você. A a recepcionista pode ficar desconfortável com sua pergunta e pode não saber sobre o assunto. Os guardas de segurança e os trabalhadores podem saber muito sobre o que está se passando na empresa, mas podem perder o emprego por falar com você.

Na lista abaixo, a mesma declaração de que a empresa que você está investigando não está poluindo o rio foi feita por fontes diferentes. Vamos pesar sua força:

Evidência/declaração Origem da informação Nível de evidência
“Empresa X não está poluindo o rio” De uma carta anônima que você recebeu Fraco
“Empresa X não está poluindo o rio” Entrevista com porta-voz da empresa Fraco
“Empresa X não está poluindo o rio” Mensagem no Twitter de um político local Fraco
“Empresa X não está poluindo o rio” Conclusão de um estudo encomendado pela empresa investigada Médio
“Empresa X não está poluindo o rio” Conclusão de uma análise científica independente (se puder verificar e confirmar a sua independência) Forte
“Empresa X não está poluindo o rio” Relatório da câmara municipal com números de teste de água do rio Médio
“Empresa X não está poluindo o rio” Relatório do conselho empresarial local Fraco
“Empresa X não está poluindo o rio” Entrevista com um morador Fraco

Exemplo

Também há muitos casos em que as mesmas fontes que fornecem evidência fraca para esta declaração negativa, podem fornecer evidência forte para a declaração oposta, positiva. Como mostrado na tabela abaixo, em muitos casos, evidência fraca ao dizer que não há poluição, torna-se evidência forte quando as mesmas fontes dizem que há poluição, mostrando que a força de uma fonte é muitas vezes dependente da evidência ou das informações que ela fornece, ao invés de ser inerentemente forte ou fraca o tempo todo. Portanto, entender a motivação de uma fonte em relação às evidências específicas, torna-se importante.

Evidência/declaração Origem da informação Nível de evidência
“Empresa X está poluindo o rio” De uma carta anônima que você recebeu Fraco
“Empresa X está poluindo o rio” Entrevista com o porta-voz da empresa (atenção a possíveis interesses/tendências de quaisquer fontes da empresa) Médio
“Empresa X está poluindo o rio” Mensagem no Twitter de um político local Fraco
“Empresa X está poluindo o rio” Conclusão de estudo encomendado pela empresa Forte
“Empresa X está poluindo o rio” Conclusão de uma análise científica independente Forte
“Empresa X está poluindo o rio” Relatório da câmara municipal com números de teste de água do rio Forte
“Empresa X está poluindo o rio” Relatório do conselho empresarial local Médio
“Empresa X está poluindo o rio” Entrevista com um morador

Atenuação de riscos de informação e verificação de evidências

Existem inúmeras ações que você pode realizar quando perceber que sua evidência pode não fornecer provas suficientes para apoiar sua hipótese. Por exemplo, uma regra que é frequentemente aplicada no jornalismo exige que pelo menos três fontes independentes entre si confirmem a mesma informação antes dela ser publicada.


Exemplo

Vamos usar o mesmo tipo de evidência que descrevemos anteriormente e descobrir os riscos de informação que um investigador pode enfrentar, e o que pode ser feito para reduzi-los.

Exemplo de evidência Riscos para suas informações/evidencias Ações de atenuação
Entrevista gravada com representante da empresa, encontrada na internet, afirmando que não há poluição hídrica por parte da empresa O porta-voz pode tentar enganar ou despistar as investigações Analise cuidadosamente o que a pessoa disse. Isso deixa outros caminhos em aberto que não são explicitamente negados na declaração? Às vezes, os porta-vozes mentem de propósito ou porque não sabem o que fazer.
Fotos de peixes mortos no rio A menos que você tenha certeza da localização e de que é, de fato, o mesmo rio, essa evidência não fornece uma forte sustentação para sua hipótese Tente identificar o local exato onde a foto foi feita, para realizar mais pesquisas de campo lá. Isso é rio acima ou rio abaixo da empresa? Quão perto fica da fábrica de processamento de couro?
Uma carta/PDF de um laboratório com os resultados dos testes de amostra de água mostrando toxicidade elevada Isso apenas mostra que há poluição no rio, mas não a vincula a uma empresa específica Fale pessoalmente com o laboratório para entender completamente os resultados dos testes, onde e quando as amostras foram coletadas. Planeje mais pesquisas para ver se a poluição está ligada à empresa que você suspeita.
Testes de qualidade da água do rio, no site da câmara municipal, não mostram toxicidade elevada As amostras podem ter sido coletadas em um horário diferente, ou em locais que não seriam capazes de capturar a poluição causada pela empresa X. Esta é apenas uma parte dos testes reais. Solicite os testes completos ao longo de alguns anos, incluindo tempo de amostragem, locais, substâncias testadas, laboratórios usados, etc.
Declaração escrita ou gravada de um cientista que interpreta os impactos ambientais do lançamento de efluentes Observe que isso ainda não faz um link com a empresa. Pesquise mais sobre o cientista. Ele tem elos com a indústria? Qual é a reputação dele? Preste atenção ao que o cientista diz sobre o momento e o local dos testes. Fale com o cientista direta e pessoalmente.
A prefeita diz, em nota à imprensa sobre a poluição, que não acredita que haja um problema, ou que ele seja causado pela empresa Existe interesse pessoal em fazer tal declaração, pois isso pode afetar o apoio público. Pesquise quaisquer vínculos entre a prefeita e a empresa, como contribuições de campanha.
Um morador conta que percebeu o mau cheiro da água do rio próximo à empresa X Existem muitas razões pelas quais a água pode cheirar mal Peça ao morador para lhe mostrar o local exato onde observou isso. Onde está esse local em relação à fábrica? Existem tubos de descarga rio acima do local, e para onde eles vão?
Você recebeu uma gravação escondida na qual o CEO admite que a empresa despejou água não tratada no rio por um ano, dizendo que todo mundo está fazendo isso. Se publicado, o CEO pode dizer que foi enganado ou pode usar ameaças legais para impedi-lo de usar a entrevista Mostre o material a um advogado de confiança e obtenha orientação sobre a melhor forma de proceder.

Análise de hipóteses concorrentes

Uma das melhores maneiras de excluir ao menos alguns de seus preconceitos, e a tendência a apoiar o que você acredita, é tentar reunir evidências que refutem sua hipótese. Testar explicações alternativas de sua afirmação ao longo de sua investigação irá ajudá-lo a ser mais objetivo. Um termo técnico para isso é uma Análise de Hipóteses Concorrentes (AHC) (em inglês, ACH, Analysis of Competing Hypotheses) que é uma técnica frequentemente usada por serviços de inteligência. Nesse processo, o investigador primeiro gera possíveis hipótese. Em seguida, cria uma matriz que é preenchida com evidências que são então testadas quanto à lógica e consistência. As hipóteses são então avaliadas e classificadas.


Nota

Um termo chique para procurar explicações alternativas é uma metodologia chamada Análise de hipóteses concorrentes ou AHC, que foi originalmente desenvolvida pela CIA na década de 1970. No entanto, a menos que você esteja trabalhando em investigações extremamente complexas, sérias e de longo prazo, procurar interpretações alternativas objetivamente corretas de suas evidências usando o seu bom senso, provavelmente é suficiente.

Se você estiver interessado em aprender mais sobre AHC, você pode encontrar software, blogs, e artigos para começar.


Exemplo

Em nosso exemplo, duas hipóteses concorrentes podem ser: «A empresa X é responsável pela poluição do rio» e «Existem outras causas para a poluição.»

C = consistente

I = inconsistente

Evidência Empresa X causou poluição Algo diferente causou poluição
Você encontrou uma tubulação da empresa X até o rio C C
Fotos de peixes mortos no rio C C
Uma carta/PDF de um laboratório com os resultados dos testes de amostra de água exibindo toxicidade elevada C C
Testes de qualidade da água do rio, no site da câmara municipal, não mostram toxicidade elevada C C
Declaração escrita ou gravada de um cientista que interpreta os impactos ambientais do lançamento de efluentes C C
O prefeito diz em um comunicado de imprensa que a poluição pode ser de qualquer empresa e que os testes de água do rio não mostram níveis elevados de toxinas. I C
Um morador conta que percebeu o mau cheiro da água rio abaixo de onde fica a empresa C C
Você recebeu uma gravação confidencial na qual o CEO admite que a empresa despejou água não tratada no rio por anos, dizendo que todo mundo está fazendo isso. C I
Amostras de água do efluente da tubulação apresentam descargas altamente tóxicas C I

Exemplo

Este exemplo também mostra que mesmo dentro do cenário mais provável é bem possível que haja evidências inconsistentes com sua hipótese. Cabe a você avaliar essa evidência e buscar obter explicações sobre por que ela é inconsistente com sua hipótese conforme descrito na seção anterior.

Pode haver investigações nas quais você coleta evidências que contradizem ou mesmo refutam sua hipótese. É importante ser objetivo e ter a mente aberta ao analisar suas evidências. Isso não e cempre fácil, especialmente se você está pessoalmente envolvido com sua hipótese.


Dica

Muitas vezes pode ser útil escrever uma versão de sua investigação para você mesmo, com referências a todas as declarações e informações que você incluiu, com notas de rodapé ou notas finais. Isso permitirá que você encontre as evidências relevantes mais rapidamente, se precisar revisá-las, e também para garantir que você não inclua nenhuma declaração ou fato para o qual você não tenha provas.

A única ação ética e aceitável a ser tomada quando você descobre fatos e fortes evidências que contradizem sua hipótese de trabalho s eceitar que sua hipótese inicial está errada. Então, ou você pensa numa hipótese nova/alternativa que seja capaz de dar conta dos novos fatos de forma mais objetiva possível, ou aceita que sua investigação atual não é capaz de provar o que você pensou que seria, e acaba com sua investigação. Muitas vezes, essa situação é mais complexa do que apenas provar-refutar o resultado final, então vale a pena gastar algum tempo avaliando suas perguntas iniciais e o processo de investigação, incluindo sua metodologia e ferramentas utilizadas, as evidências que você coletou e qualquer possíveis alternativas que você possa ter no momento.


Exemplo

No nosso exemplo, você pode descobrir, depois de falar com o conselho, que houve, de fato, um aumento da mortalidade de peixes e uma alteração na cor da água, mas que seus testes mostram que isso foi devido à falta de oxigênio, depois de uma grande tempestade levou grande quantidade de matéria orgânica para o rio. Você precisará verificar essa afirmação observando o histórico de dados meteorológicos ou consultando especialistas, por exemplo, em um universidade. Se a sua avaliação confirmar esta hipótese, você pode escolher encerrar sua investigação.

Gerenciando evidências

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Segurança da informação

A segurança da informação é a prática de defender suas informações de serem acessadas ou danificadas por pessoas indesejadas. Isso é de particular importância para investigadores cidadãos, jornalistas e ativistas que são frequentemente visados pelos objetos de suas investigações. Muito tem sido escrito sobre como proteger dados digitais, incluindo evidências coletadas durante as investigações.

Para saber mais sobre esses assuntos comece lendo:

e então dê uma olhada em recursos mais detalhados como:

Seguir essas diretrizes permitirá que você avalie melhor seu contexto e riscos, tome medidas como criptografar seus discos rígidos e protejer suas comunicações, em particular com fontes confidenciais. Lembre-se de que você também precisará fazer backup com frequência e manter uma cópia de suas provas em um disco rígido, ou dispositivo separado, e isso - o elaro – também precisa ser protegido e criptografado.

Criptografar suas informações não é importante apenas se você opera em regiões politicamente instáveis ou antidemocráticas, é algo que todos deveriam estar fazendo para proteger a privacidade e a segurança de suas fontes, de si mesmos e de seus dados/evidências.

Armazenando evidências

Evidências digitais

É claro que a evidência digital é fácil de armazenar em seu computador, mas s dmportante manter cópias digitais em discos rígidos separados e estes devem ser mantidos em um lugar diferente do seu computador. Assim como o seu disco rígido interno do computador, os discos rígidos externos devem ser totalmente criptografados. Se você mora em uma área onde enfrenta problemas pessoais, ou risco legal em razão de suas atividades investigativas, mantenha algumas cópias em um lugar seguro fora de sua própria casa. Tenha em mente que você pode estar colocando outras pessoas em risco ao armazenar evidências com elas.

Físico

Armazenar evidências físicas originais é mais difícil. Mantenha uma cópia física ou quaisquer documentos originais, como cartas e, sempre que possível, digitalize documentos físicos para criar cópias digitais a serem mantidas criptografadas em seus discos rígidos internos e externos. As amostras ambientais podem degradar rapidamente (especialmente amostras de água) e devem ser processadas por laboratórios imediatamente, em vez de mantê-los em sua casa.

Folha de evidência

Investigações complexas e longas podem resultar em grandes quantidades de evidências coletadas e, em alguns casos, você pode não entender toda a relevância das evidências até mais tarde, em sua investigação. Por exemplo, uma imagem do rio poluído com coordenadas GPS pode se tornar mais relevante depois que você receber um relatório do teste de água, feito no laboratório, que aponta para uma determinada localização. Uma boa maneira de gerenciar suas evidências é criar uma folha com o resumo das evidências,o que permite localizá-las rapidamente em sua coleção.

Aqui está um exemplo de folha de evidências que você pode adaptar para resumir informações sobre cada evidência coletada.

exemplo de folha de evidências: uma tabela com 10 linhas, e 11 colunas. Nas quais, no topo, estão os cabeçalhos, em ordem: ID, Data de Criação, Nome do Arquivo, Link de Armazenamento, Tipo, Longitude, Latitude, Localização, Nome da Fonte, Descrição,Observações

  • ID: um sistema de número de identificação exclusivo que você cria para cada peça de Informação. Por exemplo, você pode escolher «I 0001» se for uma imagem ou «A 0001» se for um arquivo de áudio.

  • Data de criação: a data em que você gravou um vídeo ou uma imagem da evidência, ou a data que você pode encontrar em um documento, ou a data em que você baixou um arquivo ou página da internet, ou o data de um post de mídia social, etc.

  • Nome do arquivo: O nome do arquivo se for uma prova digital.

  • Link de armazenamento: um link para o local do arquivo em seu computador.

  • Tipo: o tipo de evidência, como áudio, imagem, carta, teste de laboratório, postagem nas redes sociais, etc.

  • Longitude: Se sua prova estiver vinculada a uma geolocalização, você insere sua longitude aqui.

  • Latitude: se sua prova estiver vinculada a uma geolocalização, você insere sua latitude aqui.

  • Localização: a localização geral onde a evidência foi obtida. Pode ser o nome de uma empresa, aldeia, biblioteca ou arquivo ou qualquer outro local.

  • Nome da fonte: o nome da pessoa que forneceu o Informação. Pode ser um parceiro de entrevista, pode ser você mesmo, se você tirou uma foto, ou o nome de uma entidade que forneceu-lhe informações relacionadas, através de um pedido via Lei de Acesso á Informação, etc.

  • Descrição: aqui você inclui um resumo do que a evidência mostra.

  • Observações: Quaisquer outros detalhes relevantes, por exemplo, qualquer preocupação sua quanto à exatidão ou das intenções da fonte ou outras fragilidades da evidênia ou fonte.

Compartilhamento e publicação de evidências

Documentar e compartilhar suas evidências com outras pessoas de confiança ajuda a garantir que as conclusões de sua pesquisa possam ser avaliadas e entendidas. Os cientistas adotam uma abordagem semelhante em suas pesquisas e publicações, por meio das quais publicam informações suplementares que contém conjuntos de dados maiores, cálculos e metodologias para apoiar suas conclusões e permitir que outros reproduzam e testem seu trabalho. Documentação e transparência de métodos e fontes (a menos que você esteja envolvido em uma investigação altamente confidencial ou arriscada) são elementos fundamentais que garantem a replicabilidade e confiabilidade do seu processo de investigação.

Portanto, algumas boas razões pelas quais você pode considerar publicar as evidências que você coletou, processou e verificou incluem:

  • Está no espírito de transparência e de uma sociedade aberta, especialmente ao considerar que muitas investigações se concentram em descobrir o que está escondido de nós sem uma boa razão.

  • Permite a revisão e o escrutínio das conclusões a que você chega, e pode fazer parte de um processo de revisão.

  • Pode resultar na descoberta de informações adicionais por pessoas que podem ser motivadas e inspiradas por sua investigação, porque têm acesso à informação, ou porque podem tornar-se interessadas em investigar um problema por conta própria.

Investigadores cidadãos e pesquisadores autônomos, geralmente, não têm acesso a verificadores de fatos e a editores profissionais que examinam e avaliam a qualidade, a precisão, e os riscos legais ligados a investigações da mesma forma que a mídia tradicional ou as redes investigativas estabelecidas têm. Nem têm as várias salvaguardas e proteções que ONGs, ou pesquisadores universitários e jornalistas têm. Colaborar com outras pessoas de confiança (ONGs, jornalistas, pesquisadores, etc.) e certificar-se que seu trabalho atende a determinados padrões de ética, segurança, documentação e prova, pode aumentar as chances de que outros investigadores cidadãos, jornalistas, partes interessadas, tomadores de decisão, etc. levem seu trabalho a sério e ajam de acordo com ele. Além disso, esses fatores são cruciais, se você também pretende publicar (seja na mídia, no seu blog, redes sociais, ou em outro lugar) as informações que você coletou durante sua investigação. No entanto, há uma série de considerações a ter em conta ao decidir quais evidências (se houverem) devem ser compartilhadas e publicadas, e em que formato.

Existem diferentes níveis de compartilhamento de informações que vão desde o compartilhamento com co-investigadores, pessoas em sua rede, ou uma organização para jornalistas, até fornecer acesso ao público em geral. Tenha em mente que qualquer informação que você publicar online (mesmo quando protegida por senha) deve ser considerada como sendo detectável e, em última análise, pública, a menos que siga as melhores práticas para criptografia. Isso é particularmente importante quando se trata de material fornecido por, ou que inclua informações sobre fontes confidenciais - compartilhar tais detalhes está longe de ser norma. Existem muitas situações e razões em que você pode optar por não compartilhar detalhes de uma publicação, para não colocar em risco a segurança de ninguém, inclusive a sua.

Lidando com fontes confidenciais

Como regra, a identidade de fontes confidenciais nunca deve ser revelada e também não deve ser publicada qualquer informação que forneça pistas sobre quem eles são. Proteger fontes confidenciais é de extrema importância devido aos riscos pessoais, legais e, às vezes físicos, a que as fonte são frequentemente expostas. É uma boa prática discutir com sua fonte confidencial qualquer coisa que você planeje publicar relacionada a ela e as informações que ela forneceu a você. Para mais detalhes sobre como lidar com fontes, incluindo comunicação, segurança e boas práticas gerais, leia nossos guias sobre Entrevistas e Gerenciando fontes. Além disso, para recomendações práticas sobre métodos e ferramentas para avaliar e atenuar riscos, proteger seus dados e gerenciar suas comunicações em todas as suas investigações, leia este guia introdutório Segurança em primeiro lugar!.

Uso de informações comerciais

Às vezes, você pode acabar comprando dados de provedores comerciais como registros corporativos, registros comerciais ou registros de imóveis. Na maioria dos casos, os provedores o proibirão de republicar seus dados e informação. Embora seja uma boa ideia evitar riscos legais ao não republicar evidências que foram compradas quando tais restrições existem, normalmente não é um problema citar estas fontes e fazer referência a citações-chave desse material. Normalmente, isso se enquadra na regra de «uso justo» para materiais protegidos por direitos autorais em algumas jurisdições. No entanto, a maioria dos países tem suas próprias leis de direitos autorais que regulam isso e os investigadores precisam se familiarizar com esta legislação nos países em que trabalham. É mais do que provável que haja informações confiáveis e respeitáveis sobre direitos autorais e uso justo em seu país que podem ser encontradas online.


Dica

Um ponto de partida é o Fair Use/Fair Dealing Handbook (Manual de negociação/usos justos, em tradução livre) que fornece uma visão geral dos regulamentos em mais de 40 países. No entanto, a última versão do manual é de 2015 e uma vez que a digitalização da informação leva a mudanças rápidas neste campo, ele pode não incluir as leis e regulamentos mais recentes. É importante que os investigadores cidadãos realizem suas próprias pesquisas atualizadas sobre este assunto.

Formatos de publicação

Quando você publica informações, é importante considerar que o faça em formatos facilmente acessíveis a outras pessoas. Enquanto o PDF (formato de documento portátil) se presta bem à publicação de informação baseada em texto e também é uma boa maneira de remover metadados ao publicar imagens e identificadores embutidos em documentos baseados em Microsoft Office, por exemplo, geralmente não é muito útil para publicação de dados de planilhas. Para garantir que os dados possam ser facilmente explorados por outros, se você pretende torná-los publicamente disponíveis, planilhas devem ser publicados em formatos mais acessíveis. O CSV (Comma-separated values, ou valores separados por vírgulas, em inglês), por exemplo, é útil, pois pode ser importado na maioria dos softwares de planilhas e pode permitir que outros repliquem algumas de suas análises ou usem os dados para abordar outras questões.

Em última análise, sua capacidade de avaliar, processar e gerenciar as evidências você reuniu influenciará significativamente o resultado, a confiabilidade e o impacto de suas investigações.


Reconhecimentos:

Obrigado a Yung Au, Nuria Tesón, Xavier Coadic por revisar e fornecer feedback construtivo a este guia.


Publicado em dezembro de 2020
Traduzido para português em julho de 2023

Recursos

Artigos e Guias

Glossário

term-cogbias

Viés cognitivo - Um erro sistemático no pensamento que ocorre quando as pessoas estão processando e interpretando informações no mundo ao redor delas e que afeta as decisões e julgamentos que elas fazem (veja: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vi%C3%A9s_cognitivo.)

term-deskresearch

Pesquisa de gabinete - Pesquisa realizada em casa ou local de trabalho dos investigadores. Exemplos baseados em computador e internet pesquisa, bem como entrevistas remotas.

term-evidence

Evidência - Uma ampla gama de fontes de informação e investigação resultados que na totalidade servem para apoiar ou contradizer uma hipótese de investigação. Evidência direta estabelece o fato principal imediatamente enquanto a evidência indireta estabelece fatos a partir dos quais o fato principal pode ser inferido.

term-deepfake

Falsicação Profunda (deepfake) - Também chamados deepfakes, ultrafalsos ou mídia sintética, refere-se à vídeos, fotos e áudios criados de forma artificial utilizando diversas técnicas de aprendizagem de máquina (inteligência artificial) com resultados muito convincentes. Em alguns casos, quase indistinguíveis de material real.

term-fairuse

Uso Justo (Fair Use) - Um termo legal que em algumas jurisdições regula até que ponto o material protegido por direitos autorais pode ser republicado por terceiros.

term-fieldresearch

Pesquisa de campo - Pesquisa e coleta de evidências investigativas que ocorre em locais diferentes da frente do computador e na casa do investigador. Isso inclui pesquisas em ambientes naturais, entrevistas em locais, pesquisas em arquivos, etc.

term-hypothesis

Hipótese - Uma suposição ou explicação proposta feita com base em evidências limitadas como ponto de partida para uma investigação mais aprofundada (consulte: https://www.lexico.com/definition/hypothesis.)

term-metadata

Metadados – informações que descrevem as propriedades de um arquivo, seja imagem, documento, gravação de som, mapa etc. Por exemplo, o conteúdo de uma imagem são os elementos visíveis nela, enquanto a data em que a imagem foi capturada, a localização e o dispositivo em que foi capturada são chamados de metadados.

term-source

Fonte - Publicação, registro ou pessoa que fornece informações relevante para a investigação ou hipótese.